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Por isso esse blog possui esse nome... Jigoku No Sora,
o Teto do Inferno

"Esse eu insensato, que tem tão pouca chance de salvação, é totalmente incapaz de resistir a desejos intensos e comprometimentos, a essa sucessão de dias e noites, inegavelmente reais, passada sob o constante tormento das ilusões monstruosas; isso é o inferno." - Hiroyuki Itsuki

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29 de maio de 2013

Gion


Chegamos de Uji, carregados de chás e seu aroma invadindo nosso quarto no albergue. Hochi-cha... chá-verde torrado... o odor de Uji... e saímos para passear e curtir a noite de Kyoto...
Vista de Gion

Neste dia jantamos em Gion, o "bairro boêmio" de Kyoto! Vale uma grande resalva aqui... quando um latino ouve "bairro boêmio" já pensa em esbórnia, agito, música alta, neon... nada disso.... Gion é a antítese da visão normal de um bairro boêmio.

Tombado pelo patrimonio cultural do Japão, o bairro composto de 3 ou 4 ruas perpendiculares a mais 5 ou 6 ruelas é todo conservado como se tivesse parado no século XIX. É um exemplo do que era a Kyoto de outrora. Casas tradicionais, ruelas estreitas, lanternas de papel acesas.

O mais incrivel de Gion é que a grande maioria dessas casas são restaurantes e bares, de todos os níveis e tipos. E outro ponto: Gion é deserta! Sim, deserta! Não há ninguém na rua e olhe que estávamos ali em pleno sábado a noite, no final da Golden Week (semana de feriado nacional no Japão)! Caminhamos por minutos e minutos sem ver ninguém e de repente um casal aqui, dois amigos ali, andando rápido, saindo de uma casa, entrando em outra.  Começamos a ficar encucados.

Cadê todo mundo?
Como a arquitetura tradicional japonesa prevê janelas cobertas por papéis de arroz e persianas de bambú, nunca conseguimos ver da rua o que se passa dentro dos imóveis. Mas, avistei uma janela entre aberta e não me contive: corri para espiar lá dentro e qual não foi minha surpresa de ver que era um bar, um pub japonês LOTADO de gente! Me esgueirei para ver o imóvel do lado, novamente a surpresa: um restaurante LOTADO! Que coisa engraçada... Gion estava fervendo, no seu estilo, da sua maneira, mas estava "bombando", só que todo mundo fica dentro dos locais, prezando pelo silêncio e contribuindo para atmosfera sombria e misteriosa daquelas ruelas, das quais parecem que vão saltar ninjas dos telhados, samurais sairão pelas portas e gueixas passarão apressadas em seus kimonos maravilhosos (bem, essas últimas ainda existem e passam assim mesmo e em Gion).

Restaurante em Gion
Estando o bairro em "ebulição" resolvemos jantar por ali e ainda bem que há uma prática saudável dos restaurantes em deixar a mostra na entrada uma cópia de seus cardápios. Pois não é só a atmosfera de Kyoto que é sombria, os preços de alguns restaurantes também o são! Fomos olhando para vários, comparando com nosso orçamento e logo encontramos um interessante.

Nosso restaurante





Por fora era uma casa tradicional de Kyoto, mas quando entramos nos deparamos com um interior extremamente moderno! Tatames com almofadas vermelhas, paredes de cimento queimado, lustres vanguardistas e um cardápio eclético, japonês mas eclético.  Tiramos os sapatos, nos aconchegamos uma mesa baixa e uma simpática garçonete que arranhava um inglês básico veio nos atender.  Pedimos as bebidas e o próprio Chef veio conversar conosco e dar sugestões.
Nosso restaurante moderninho em Gion





Um jovem japonês que falava inglês e estava no comando do restaurante apoiado por um sous-chef que ficou na cozinha mas dava para avistá-lo, uma vez que a cozinha ficava no meio do restaurante. A especialidade do restaurante era "shabu-shabu", que são carnes e legumes cozidos em um caldo à mesa, mas feito de uma maneira mais moderna, usando vapor.

Eu, Jean,Sandro e nossa simpática garçonete
Confesso que comida não era lá essas coisas, mas o local e o atendimento do restaurantes, acompanhado de bons amigos e duas canecas de cerveja depois de andarmos o dia todo, tudo estava perfeito... afinal estávamos em Gion...

Pontocho 
Voltamos para o albergue caminhando e passamos por Pontocho, o bairro que fica na beira do rio em Kyoto, com mais bares e restaurantes. Neste local sim, podemos ver pessoas na rua, jovens conversando, bebendo, se divertindo. Pontocho é a Kyoto "moderna" e Gion a tradicional. Demais!









23 de maio de 2013

Byodoin em Uji

(fotos em breve)

Bom o Byodo-in... para começar temos que falar sobre o conceito desse templo. Trata-se de um templo da Escola Tendai, umas das mais antigas do Japão e que foi o berço das escolas Soto-zen, Jodo, Jodo-shin e Nichiren, ou seja, o que conhecemos de "moderno" no Budismo japonês se originou nesta escola. Isso se deu por causa da grande gama de sutras estudados nela e como ninguém consegue estudar muitos deles ao longo da vida, vários monges passaram a se concentrar em alguns deles para então divulgá-los. No caso da escola Jodo Shin, a qual eu pertenço, nosso fundador Mestre Shiran,
antigo monge da escola Tendai, dedicou sua vida ao estudo dos sutras e tratados sobre a Terra Pura do Buda da Luz e da Vida Infinitas, Amida (ou Amitayus / Amitabha).

Um desses sutras, o Sutra Maior de Amida (Daikyo), faz uma descrição detalhada do que seria fisicamente essa Terra Pura. Como são suas árvores, lago, flores, aves, música, palácios e habitantes. Tudo isso com uma grande riqueza de detalhes sobre forma, cores, odores, tons, texturas e materiais. Dessa forma, o Sutra nos descreve o que nos espera quando aspiramos renascer naquele local.

Pois bem, alguém resolveu construir essa Terra Pura em Uji e o chamou de Byodo-in!

Logo que se entra somos saudados pelo maior pé de glicínia que eu jamais poderia pensar em ver (mesmo pq depois de um raquitico pé desses plantado em um templo em São Paulo que eu só vi dar UM cacho de flor, uma vez, em 10 anos, era a primeira ocasião com a qual me deparava com tal beldade, ainda mais daquele tamanho - olhe a foto!). Não sou botânico, mas o caule me parecia centenário e para meu deleite estava TOTALMENTE florida, mais uma vez, TOTALMENTE! Cachos enormes de glicínias branco-arroxeadas pendendo de ramos e mais ramos exalando um perfume muito agradável.

O parque é grande, do tamanho do parque da Aclimação em São Paulo (para quem conhece), mais ou menos e logo depois desse maravilhoso pé de glicínia, temos um templo dedicado a um dos protetores do Dharma, Fudo-Myoo, com um jardim contemplativo, cheio de árvores de bordo com suas folhas vermelhas, amarelas e verdes. Tipicamente uma paisagem japonesa. Sem contar nas azaléias que também estavam vívidas e finalizando o contorno colorido da cena com suas flores vermelhas, rosas e brancas.

Andando-se mais um pouco, ele se revela: o famoso lago de flores-de-lótus e o pavilhão da morada de Buda Amida bem na beira dele, exatamente como descrito no Sutra. Estou desconfiado que visitamos o Byodo-in no auge de sua beleza esse ano. Estaria perfeito se também as flores-de-lótus estivessem floridas.

Infelizmente o Pavilhão de Amida, principal contrução do parque estava envelopado com uma estrutura metálica, pois encontrava-se em manutenção centenária. E aqui vale uma nota sobre a construção de templos no Japão, conforme aprendi no Honzan do Honganji. Os templos são feitos para durarem 300 anos, sendo que ao fim desse período devem ser demolidos e refeitos, ainda que a cada 100 anos deva-se fazer manutenções corretivas e preventivas. O nosso próprio Amida-

do, o Pavilhão de Amida, no Honzan está passando também pela sua primeira manutenção centenária, ou seja, primeira desta construção que ali se encontra. Mas haverá um post sobre isso mais tarde.

Assim, sem termos a chance de entrar no Pavilhão de Amida, construído conforme as descrições de Buda Shakyamuni, contemplamos aquela natureza quieta, tranquila e sublime. Descobrimos então que o centro de visitantes havia se transformado em um museu, mas como mencionei anteriormente já se passava das 17 horas e, claro, o museu também fechava neste horário. Mesmo assim fomos até lá para usarmos o banheiro do centro de visitantes e olharmos a famosa "lojinha"... foi aí que uma coisa estranha aconteceu...

Assim que nós três pisamos no centro de visitantes, uma japonesa de uniforme do local se materializou na nossa frente, se curvou nos cumprimentanto, virou-se e abriu uma cancela (dessas de marcar fila) e disse "por favor" nos indicando o caminho, passamos e ela correu na frente e chamou um elevador que logo se abriu e ela praticamente nos empurrou delicadamente para dentro sem falar uma palavra. A porta se fechou e um olhou para a cara do outro sem entender nada. Logo perguntei ao Jean, "ela disse alguma coisa? para onde estamos indo?". Ele só deu de ombros e a porta se abriu novamente, sem sabermos se descêramos ou subirâmos. Outra japonesa de uniforme apareceu, nos cumprimentou e indicou o caminho quando demos de cara em uma porta enorme. Ela então tirou uma chave do bolso e abriu a porta, passamos e ela se trancou pelo lado de fora, deixando-nos lá dentro de onde quer que fosse.

Um olhou para o outro e seguimos por um corredor todo de paredes de cimento queimado e iluminação fraca e indireta. Há alguns passos de distância saímos em um grande salão no qual se encontravam as estátuas que outrora ornaram o Pavilhão de Amida. Eram dezenas! Lindíssimas e de um detalhamento assustador. Bodhisatvas, dragões, apsaras, klavinkas, budas, protetores e mais um tanto de seres celestiais iluminados por um luzes potentes mas focadas, dando a impressão que todos flutuavam no espaço vazio, tal qual o Sutra menciona. Ficamos pasmos. E éramos os únicos ali... afinal o museu estava fechado e ainda não tínhamos entendido aquilo tudo.

Visitamos mais algumas salas com adereços e a história do templo e encontramos a rampa de saída (tínhamos descido) e chegamos ao térreo onde três recepcionistas nos aguardavam para fechar o centro de visitantes e ir embora.

Ainda caminhando para fora estávamos confusos com o que tinha acontecido, uma vez que mais gente tinha entrado no parque conosco e poderia até jurar que tinha gente atrás de nós quando entramos no centro de visitantes. Mas por que só nós descemos para o museu, nunca saberemos.

Como nos disse o Jean, Uji tem sua magia, só indo lá para ver como ela vai se manifestar para ou em você, afinal estamos na Terra Pura de Amida!

:-)

20 de maio de 2013

Comidinhas em Nara e a Adorável Uji


Avenida de Entrada do Todaiji
Na ida para o Todaiji passamos por uma avenida cheia de restaurantes e lojas, mas uma chama a atenção: uma fábrica artesanal do mochi! Mochi para quem não sabe é um bolinho feito de arroz glutinoso que necessita ser "marretado" durante um bom tempo para ficar bom. Aparece muito na TV quando da Festa das Flores (Hanamatsuri) do bairro da Liberdade em São Paulo, na ocasião que políticos oportunistas aparecem, dão duas socadas na massa e desistem! 
Fábrica de mochi em Nara
Bem, essa fábrica produz na minha opinião o melhor doce do Japão! Tá bom, tá bom, só experimentei uns poucos por lá, mas já comi muito aqui e aquele mochi era um néctar dos bodhisatvas... misturado com macha (chá verde em pó) e recheio de feijão azuki, ele vem quentinho, mole como como mousse e desmancha na boca com um gosto leve como uma flor de cerejeira. Acho que nunca mais vou comer um mochi aqui no Brasil, pois seria uma ofensa com esse de Nara e não me sinto na posição de contrair tal dívida de sangue!

As barraquinhas continuam pela rua de entrada do Todaiji tem odores inebriantes. Lulas sendo grelhadas, bolinhos de polvo (takoyaki), brotos de bambú com molho agridoce sendo aquecidos, dorayaki (uma panquequinha com doce de feijão azuki dentro), okonomyaki (panqueca "resto de geladeira") e espetinhos de carne de porco agridoce criam uma atmosfera gastronomica impossível de resistir, mesmo porque com US$10,00 dá para fazer um banquete.
Jean e Sandro no Parque das "Gazelas"

E foi o que fizemos: um piquenique! Compramos várias dessas coisas (alias, todas as acima!) e sentamos na grama para comer e tomar chá, junto com dezenas de outros comensais. Foi divertidíssimo. O parque é limpíssimo, bem como a rua das comidas, NADA no chão e quando digo NADA é NADA na mais profunda concepção. O Japão é limpo... e silencioso... mas isso são dois posts especiais que sairão daqui a pouco.

E assim nos despedimos de Nara, passando pelo parque dos veados (animais! rs) onde se encontra centenas deles, totalmente domesticados com praticamente nenhuma cerca separando-os do trânsito ou das pessoas. A diversão óbvia é alimentá-los! A criançada pira (e certos adultos também!).

Voltamos para a estação de trem, passamos no supermercado estrategicamente posicionado embaixo dela, carregamos a mochila com mais umas comidinhas e mais chá e seguimos de volta para Kyoto. Eram quase 17 horas e saibam que o Japão fecha as 17 horas!

Bem cansados, discutindo onde iríamos jantar, se íamos para o albergue, já dentro do trem, o Jean anuncia: "Gente, conheço uma casa de chá em Uji que por poucos yen podemos participar de uma pequena cerimônia do chá de 30 minutos. Mas não sei que horas fecha, provavelmente as 17 horas." - Descemos em Uji! E corremos para a tal casa de chá, a qual já estava....fechada, óbvio! Mas Uji nos reservava algo a mais do que a casa de chá fechada: o Templo Byodo-in e uma experiência sinistra...

Rua dos produtores de chá em Uji
Mas antes, deixem eu descrever Uji para vocês.

É uma cidadela que vive da produção artesanal de chá verde então não preciso dizer que TUDO na cidade gira em torno da deliciosa erva. Uma rua inteira de lojas de produtores de chá se estende da entrada da cidade até o Byodo-in, uns 5 quarteirões, lado a lado vendendo suas produções com pouca ou nenhuma industrialização. Sem falar no odor de chá verde torrado (hochi-cha) que se espalha pela cidade e é delicioso. A torrefação é manual e contínua, o que vai te dando uma vontade imensa de tomar litros e litros da bebida.

Glicinias

Outro detalhe da cidade: as glícínias! Em cada casa ou estabelecimento havia um vaso dessa flor linda, pequena mas seus cachos se fazem lindos quando pendentes de seus caules tipo trepadeira. A cidade cheira a chá verde e se cobre de glicínias que para nossa fortuna, estavam no auge de sua floração. Quando saí do Brasil lamentava que havia perdido a "Sakura Zensen", a famosa "frente das cerejeiras" que vão florescendo de Kyushu (sul) a Hokkaido (norte) e que duram poucos dias. Mas Uji nos ofereceu sua glicínias que, sem querer destronar as maravilhosas cerejeiras, não se deixam inferiorizar em beleza, volume e perfume.
Mais glicínias


Uji é uma cidade e tanto. Digo que moraria nesta cidadezinha com a maior tranquilidade. ah! esqueci de dizer que ela é cortada por um rio muito charmoso, com uma calçada que o ladeia, cheio de restaurantes e estabelecimentos. Um charme, sem dúvida.

Também, em homenagem a Reva Sayuri Tyô-Jun e ao Rev. Ricardo Mário, cito que Uji é a cidade natal da primeira novelista do mundo, "Murasaki Shikibu. Autora de Tales of Genji (Genji Monogatari escrito por volta do ano 1000.O primeiro romance épico do mundo. Era uma dama da corte, nessa época poucas tinham acesso ao estudo." (texto da Reva. Sayuri Tyô-Jun.
Túmulo de Murasaki Shikibu a beira do rio

A pequena e singela Uji com seu rio, suas glicínias, seu odor adorável de chá torrado, seu rio calmo é uma das cidades mais aconchegantes que já visitei em todo o mundo. Uma cidade charmosa que me deixou saudades... gostaria de me hospedar lá, ler o Genji Monogatari sentado a beira do rio, bebendo um hochi-cha quente, numa tarde de outono, com um cobertor sobre as pernas, um cachecol em volta do pescoço, vendo as folhas de bordo mudarem de cor, do verde para o vermelho e, então, para o amarelo antes de caírem ao chão...ai ai...

Bom.... mas tem o Byodo-in...




15 de maio de 2013

Ainda em Nara

Passada a emoção dos guardiões atravessamos um pátio imenso onde se via ao fundo um prédio de pelo menos 13 andares de altura. Olhando para ele fiquei imaginando que o Daibutsu (Grande Buddha) deveria ser assustadoramente "dai" mesmo!

Ainda do lado de fora pode-se apreciar a obra-prima de 1200 anos (Nota do Rev. Ricardo Mario: .O Todaiji que vemos hoje não é a construção original. que foi incendiada em 1180. Uma primeira reconstrução foi destruída por um segundo incêndio em 1567. A construção que temos hoje data dos fins do século XVII (Era Genroku).), totalmente em madeira e sem nenhum prego ou parafuso para sustentar tudo aquilo. Toneladas e toneladas de madeira encaixada como um invólucro eterno para um templo atemporal.


Todaiji

Porta de Entrada do Todaiji


Sobe-se poucos degraus e então... ele surge... mais de 10 metros de altura, grandioso, ornado por bodhisatvas e apsaras, olhar sereno, sólido e imóvel como uma montanha... Buddha Vairocana,  está literalmente ali, projetando sua sombra compassiva sobre humanos boquiabertos e extasiados.(Nota do Rev. Ricardo Mario: O Grande Buda é o Buda Vairocana descrito no Sutra Kegon (Avatamsaka Sutra). O Todaiji é o Honzan da Escola Kegon, cuja doutrina é fundamentada nesse Sutra.)

Dizer que é uma obra impressionante seria pouco e confesso que ainda não consigo achar palavras para descrever aquilo. Eu fiquei minutos infindáveis apenas apreciando o rosto sereno daquela avatar gigantesco. Juro que não sabia o que fazer. Para muitos ali, era apenas uma estátua mas para mim, o Buddha estava ali.

Maha Vairocana


Mas a coisa não se encerrava ali... olhei para o lado direito e havia com 3/4 do tamanho, uma estátua de Niorin Kannon, dourada, linda. Irradiando compaixão e serenidade e do outro lado, outra estátua de mesmas proporções do Bodhisatva Kokuzo. E ainda, um de cada lado deles, mais dois protetores: Tamonten, a direita e Komokuten a esquerda. Gigantescos também, nem preciso comentar.
Kokuzo Bosatsu
Niorin Kannon
Tamonten

A curisiosidade do local, fica por conta de uma das colunas de madeira do templo que possui uma fenda por onde se consegue passar uma pessoa (magra, diga-se de passagem) e existe uma superstição que quem consegue passar, será abençoado. Nem me atrevi a passar, mesmo porque a fila era grande.

Eu já não sabia mais para onde olhar, meu queixo já estava raspando no chão e a emoção já brotava em forma de lágrimas por ter a oportunidade de ver e comtemplar tamanha beleza e intrinseca arte. Mas de repente me dei conta de uma coisa... estava em um país primariamente budista, com uma boa dose de influencia animista do Xintoísmo, mas olhei em volta e vi que as pessoas, olhavam, tiravam fotos, mas não admiravam aquilo, não vi empolgação. Vi uma fila imensa para se passar pelo buraco da coluna, vi um monte de gente se "banhando" com a fumaça dos incensos acesos (como se servisse para alguma coisa), mas não vi uma pessoa fazendo um "gassho" ou uma pequena reverência, diante daquelas estátuas, como faríamos com a pequenina (minuscula, em comparação, eu diria) que temos em casa em nossos altares.
Komokuten
 Confesso que fiquei decepcionado com tais atitudes, pois mesmo não sendo católico fico impressionado com a monumentalidade de um Cristo Redentor no Rio de Janeiro ou com uma Capela Cistina em Roma, mas ali, a maioria era budista. Vamos falar um pouco mais sobre isso, alguns posts para frente...

Nara ainda não acabou!!! Temos mais umas coisas para contar....

12 de maio de 2013

Nara, Todaiji e alguns protetores

Acordamos cedo. O Todaiji em Nara nos esperava. Tendo um Buddha de 10 andares lá dentro e sendo um prédio que está lá há 1200 anos, sem dúvida um local a ser visitado.

Acordamos as 4 horas da manhã mas não por empenho, mas por fuso horário mesmo! Pegamos o trem lá pelas 7:30hs e pouco mais de meia hora depois chegamos na pequena Nara e após uma pequena parada no supermercado para comprarmos chá verde gelado e ficar perplexo diante de tanta opção, saímos caminhando alguns poucos quarteirões.

Subimos por uma avenida junto com muitos turistas e paramos em alguns antiquários para apreciarmos artigos budistas. Reforço: apreciarmos, comprar, impossível! Falarei mais para frente sobre o "handcraft" japonês.

A rua até que estreita na qual se chega ao templo tem lojas de um lado e barracas de comida do outro e ambos os lados estavam bombando desde cedo. O odor agradável de lula e polvos sendo grelhados, junto com broto de bambu e takoyaki (pequenos bolinhos de polvo) era inebriante mesmo na manhã tão cedo.

Mais alguns passos e então o gigante aparece. Altivo, sólido como um monolito de aço forjado por avatares, estava o portal do Todaiji. Meu amigo, Jean Jacques sabia o que iria acontecer a seguir, mas não me disse nada. Ele sabia do meu encanto para com os "dharmapalas", os protetores do Dharma, que dentre outras funções, protegem os templos e seus ensinamentos. E, lhes digo, no Japão, os "niô" são levados a sério, sendo literalmente o maior exemplo, o portal de entrada do Todaiji!

Quando ía passando pelo portal, olhei para o lado direito e me deparo com uma estátua de um niô, o Ungyo, com pelo menos 8 metros de altura. Seus musculos todos retesados, mãos aberta prontas para agarrar o adversário e uma clava na mão esquerda. Toda a estátua tinha movimento, suas vestes, seu cabelo em rabo-de-cavalo, menos seu corpo.  Nada no universo poderia mover-lo. Parei, boquiaberto, arrepiado, vislumbrado. Literalmente olhei aquela estátua do fio de cabelo a unha do pé e a única vontade que tinha era ficar ali para sempre, contemplando aquela maravilha. Então, me lembrei de Suzuki Shosan, o qual conheci pelo trabalho do meu irmão no Dharma, Rev. Prof. Dr. Ricardo Mário Gonçalves. Shosan um samurai que se tornou monge, usava as poses dos nyo como inspiração para meditação. Nessa hora, o Jean me toca o ombro e diz: "Vira para trás!". Foi aí que me dei conta que eu tinha virado somente para o lado direito e um frio me correu a espinha quando lembrei que Ungyo sempre tinha um aliado... Agyo! E me virei lentamente, antevendo o que me esperava. Se de frente a mim estava Ungyo, oposto a ele estava seu companheiro... clava levantada e apoiada no ombro direito, mão esquerda aberta como se parasse o adversário e boca aberta como se gritasse para que o planeta inteiro ouvisse, um grito surdo, mas imóvel, sólido, plantado, como se pudesse dessa forma agarrar e parar o planeta inteiro.

Não me contive. Fiz uma reverência profunda a ambos e olhei-os nos olhos para sentir aquela energia marcial que ambos passavam. Aí entendi porque eram guardiões, não pela força ou pelas armas, mas pelo olhar... o olhar de um niô é assustador, mas ao mesmo tempo acolhedor, pois quem se assusta é o despreparado, o fútil, o que chega sem propósito. Mas aquele que chega seguro, de coração puro e aberto, os niô abrem as portas e lhe protege.





Ungyo

Agyo



















Tem mais Todaiji... aguentem aí...


Para saber mais sobre niô: http://www.onmarkproductions.com/html/nio.shtml

11 de maio de 2013

Albergue e Hashi

Chegamos no albergue em Kyoto lá pelas 21 horas. Literalmente jogamos as malas no quarto e saímos para comer. Era uma sexta-feira mas ao contrário do que se esperaria a cidade estava tranquila. Era o final da "golden week" que é uma espécie de "semana do saco-cheio nacional" no Japão. Todos os escritórios param e todo mundo viaja a turismo ou para visitar parentes distantes. Kyoto como é uma das cidades mais importantes do país, se esvaziou.

Estávamos ao lado do Nishiki Market que é uma mistura de 25 de março com mercado municipal mas mais organizado que qualquer coisa que vc ache que é organizado. Lojas de todos os tipos, desde artigos budistas, roupas fashion, lojas de chá, comidas de todos os tipos, até uma loja especializada em "hashi" (é... aqueles palitinhos de comer). Quando digo especializada, significa ES-PE-CI-A-LI-ZA-DA e no Japão isso não é brincadeira. Os caras medem o tamanho da sua mão, do seu braço, seu "estilo" de pegada nos distintos e pasmem... fazem um hashi sob medida para você! A bricadeira não sai por menos de US$100,00 mas você terá um par de palitinhos para comer por um bom tempo e ainda acondicionados em uma caixa que é mais bonita que os próprios.

Bom, minha primeira experiência culinária no Japão foi um delicioso domburi (base de arroz com carne e legumes cozidos por cima). Não sei se o lugar era bom, se um japonês aprovaria ou minha fome de mais de 14 horas sem comer nada além de comida de avião falou mais alto, mas estava muito bom!

Vale dizer que caminhando pelo mercado já havia me deparado com uns 5 ou 6 templos budistas e xintoistas... asssim,  no meio do mercado, ao lado da lojas. Mas vou falar sobre isso mais tarde.

Lembrando que era dia 3 ainda a noite. Dias 4 e 5 tínhamos livre, antes dos compromissos do tokudo a partir do dia 6 e do congresso mundial no dia 8.

Fomos dormir, a meia-noite, para as 4 da manhã, estamos todos acordados conversando novamente.... maldito fuso-horario.

Chegando no Japão

Esse é o primeiro texto que escrevo sobre minha viagem ao Japão e minha cerimônia de tokudo. Espero através deste e de outros posts, apresentar um pouco da minha visão budista sobre nossa escola e também sobre o modo de vida japonês, um tanto quanto distinto do nosso.

Sendo a primeira vez que ía a Ásia, uma grande ansiedade tomou conta de mim, ainda também pela organização da viagem que começou em novembro de 2012 para se realizar agora em maio de 2013. A escolha da passagem já foi um jogo logistico, pois tinha algumas premissas: 1) queria usar milhagem em todo ou boa parte do percurso; 2) queria chegar em Kansai (Osaka) que fica a 1 hora de trem de Kyoto e não em Tokyo que fica há 3,5 horas de shinkansen (trem de alta velocidade), pois havia um bom componente de custo (o shinkansen ida de volta Tokyo/Kyoto pode custar mais de US$400,00!).

Sendo assim, fechei a "perna" (leg) EUA/Japão primeiro com milhagem - um "maravilhoso" vôo LAX (Los Angeles) - HNL (Honolulu) - KIX (Kansai). com as esperas seria 16 horas de vôo! E comprei a leg Brasil-EUA, GRU (SP) - DFW (Dallas) - LAX - mais 15 horas. Ou seja, minha epopéia levou 31 horas, com direito a um pernoite em LAX. Bom, tudo estava valendo (exceto pelo aeroporto de HNL que parece uma rodoviária!). Saí dia 30/4 a noite de SP e cheguei em KIX as 18:30 do dia 03/5.

E lá, na porta de saída da alfândega, vindos de Tokyo, me esperavam Jean-Jacques Algieri e Sandro Fernandes, uma vez que o primeiro receberia seu tokudo junto comigo.

Finalmente tinha chegado! Ver tudo escrito em ideogramas, aquela língua que estou tão acostumado a ouvir, embora não fale, luzes, modernidade..... de repente, passa um casal em roupas tradicionais, os dois trajando belos kimonos, ela com um cinza claro adornado por cerejeiras e ele com um cinza escuro, elegantes, rementendo a um passado glorioso... ou a um presente que ainda preserva suas tradições. Cheguei ao Japão.

Pegamos o trem para Kyoto pondo as fofocas e expectativas em dia no percurso de pouco mais de uma hora. Em dado momento, entra um rapaz sorridente vindo do outro vagão, uniformizado impecavelmente com um traje azul, botões dourados e quepe. Reitira o quepe e o acomoda solenemente debaixo do braço direito e com um "boa noite" suave e um pedido de desculpas ou licença, ou os dois, anuncia sua presença para conferir os bilhetes. Assim o faz com elegância educação e sempre sorrindo. Confere cada um com meno de 1 segundo para cada passageiro. Acabando o vagão, se coloca diante da porta de saída para o próximo, se vira, faz uma reverencia e agradece várias vezes por termos escolhido a sua empresa (JR Rail) para viajar, recoloca o quepe (que durante toda a conferencia ficou debaixo de seu braço em sinal de respeito). Vira-se e sai.

Tinha realmente chegado ao JAPÃO!